segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Partidos e chegados

Somos partidos.  Olhe ao redor e veja.  Não se trata de partes, de pontos de vista, de ângulos apenas. Partidos somos, não apenas estamos.  Todo o conceito de unidade deve ser explorado com cuidado, pois esse explorador é partido.  Os sentidos gramaticais aqui são bem vindos, pois somos todos eles, muito mais do que havíamos notado.  Somos partidos no sentido de deslocamento, também no sentido de quebra, e também no sentido de doação.  Primeiro há um sair do lugar, depois um rasgar, quebrar, dividir e, por fim, um doar, entregar, gerar.   Quem não parte, permanece fixo.  Nada fixo  permanece vivo.  Quem não parte, não possui a consciência do inteiro.  Quem não parte, nada sabe sobre a magia de estar para além de si.  Sou partido.  Sai de casa e me coloquei em partida, em direção ao meu encontro.  Parti a mim e vi a cola agindo numa ordem nova, onde a soma das partes é sempre menor que o todo, onde o paradoxo dessa conta revela uma matemática desconhecida, uma física impossível, e uma imaginação fértil o suficiente para confiar em mim mesmo e na luz em meu coração.  Essa partida produziu ou mostrou-me a fé.  Por fim, partido, faço nascer esse texto, aquele sorriso, aquele olhar, escuto uma resposta doce, uma pergunta honesta, atraio exploradores que se aproximam, crio raizes e pés que andam, conecto terra e céu, sintonizo-me com o coração do planeta. Partir é a experiência da unidade, seu movimento gerando consciência.  Todos são partidos, mas nem todos partem.  Somente o partido sabe o ato de unir.  Somente o unido, o inteiro, sabe o ato de partir. Saber o ato é uma expressão para consciência.  Entenda essa gestalt: todos os fluxos são as partes reconectando-se a si mesmas, trocas e intercâmbios em fronteiras móveis e dinâmicas, um movimento de atenção, uma concentração vital orgânica e ao mesmo tempo sem orgãos, uma mobilização, um aprontamento.  Então tudo se unifica e há um partir, um corte novamente.  Os fluxos se recombinam e acendem outras faixas energéticas, iluminam-se.   Estou diante desse sol, dessa árvore luzente, diante dessa região onde os amens são pronunciados e ressoam, ecoam, refletem.  E tudo isso acontece porque sou partido, somos partidos.  E não há uma parte sequer que esteja separada de outra.  Mas assim como o partir leva ao colar,  ao curar , também o partir leva ao chegar. Não um local onde se chegue, pois a partida não foi de local algum.  Mas chegar faz parte da experiência do partido.  Só o partido chega, o lançado, o disparado.  Aqui, esse texto, também é uma chegada.  Para todos que não partiram, minha chegada pode ser sua plataforma de lançamento. Escolha seu próprio vôo, seu próprio número, aceite a sugestão de partir e não se preocupe com a escolha do destino.  Pois você ainda estará partido, em pleno vôo,  quando chegar.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

dia 1

Eu precisei confiar na cura, na cola das partes, pois me dividi para dialogar comigo mesmo.  Me olhei não apenas como quem olha outro, mas como um outro me olhando de volta.  Fiz isso até me sentir tão acolhido, tão completo! como diante de uma presença benigna, uma inteligência tão amável que é absurdamente gentil, suave.  Mas não é uma força feminina simplesmente. Há uma clareza de vontade, de determinação, de capacidade para seguir adiante.  Não é masculina também.  É algo absolutamente os dois, mas ao mesmo tempo sem sê-los.  Faz sentido por que está qui, agora.  Não quero criar sentidos, a não ser esse: o de uma presença.
Ontem você fez aniversário, ou desaniversário, melhor dizendo.  Que coincidência engraçada ser no mesmo dia!  Eu havia batizado minha casa nova, mas ainda assim, por um momento inicial, em que a atmosfera do momento pesou, cada célula em meu corpo chorou.  Tremi como quem treme literalmente diante de um terremoto, uma tsunami varrendo minha pele, meus ossos.  Então algo em mim lembrou de respirar. Simples assim.  A cola havia funcionado.  Passei a noite sofrendo pelo vento frio que adentrava as rachaduras provocadas pelo abalo. Imediatamente  esse mesmo algo em mim graciosamente iniciou um trabalho de recompor as brechas. Às vezes o vento trazia vozes, outras era gelo mesmo. Acordei bem apesar de muito triste por também saber que outras fissuras, apesar de evitáveis, ainda virão.  Então, diante do que me virá, do que precisarei enfrentar, escrevi uma mensagem: "a dor e a tristeza são péssimos conselheiros, mas ótimos professores".

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Para os que praticam a "loucura controlada".

Nenhuma ação humana é significativa diante do mundo.  Olhar nossas ações de uma perspectiva tão maior é atordoante.  O que poderia significar qualquer ato humano perante o universo?  Mas este é apenas um posicionamento, uma forma de perceber-se insignificante.  Afinal, diante do imensurável, somos menos que grão de poeira.  Diante do tempo de uma galáxia, somos menos que um sopro.  Isso deveria ser suficiente para que nossa auto-importância fosse abalada.  E deveria ser suficiente para nos dotar com um contentamento inacabável diante desse mundo!  Afinal, por outro lado, como é fantástico estar consciente dessa vida! Esse quase nada que, num quase instante...se percebe vivo. Se nada é importante, como é preciosa nossa consciência! O que poderia ser mais raro?  Pois trilhões de anos é algo comum.  Explosões fantásticas de estrelas.  Amontoados de poeiras formando galáxias.  Átomos formando corpos.  Até os deuses são algo comum.  Mas saber estar vivo, saber não passar de um detalhe insignificante na história, isto é raro.  Que sol pode olhar o mundo e dizer que amanhã pode não mais estar aqui? E mesmo o sol que saiba seu tempo ainda persistirá nos elementos que ele produziu.  E nós? Nada que sobre de nós tem consistência o suficiente para perdurar.  Só o que desaparece é verdadeiramente raro.  Nós, os raros, cuja vida e ações são absolutamente desimportantes.  O que faremos agora, que não perdurará?  O que diremos ao mundo que valha a pena ser ouvido?  Que tipo de contentamento ofereceremos a esta vida que ganhou consciência em nossos corações?  Eu não sei me responder.  Porém me sinto inusitadamente agradecido, grato.  Será isso que me toca, se inflama através de mim, o Amor?