sábado, 30 de novembro de 2013

Cinzas

Ela estava pensando nas cinzas.  Possuiriam algo a mais que o simbolismo?  A cinza retém a individualidade?  Foi o que lhe perguntei.  O que nos distingue dos demais?  O que nos torna únicos?  O que faz um sol ser um sol, uma nuvem seu uma nuvem, você ser você.  Ela não quis responder.  Disse que pensar isso era terrível.  Mas ela não falava o que realmente pensava.  Queria apenas fugir da conversa.  Queria que eu dissesse que a cinza era única, especial.  Eu havia dito que a cinza do vulcão, da madeira, da fábrica, do corpo cremado, eram todas cinza.  Eu estava pensando na via lactea.  Pensava nessa minúscula faixa achatada repleta de estrelas. Assim como essa mísera faixa atmosférica que abriga nossa espécie e as que conhecemos.   Você sobe muito e não mais respira.  Desce muito e sua pele derrete.  Pensava em como é restrita essa existência.  Como a cinza se torna única, distinguível de tudo a sua volta?  Mas eu tinha mais coisas por trás disso. Pensava em como a vida se manifesta como consciência. Assumia implicitamente que tudo é vida.  Imaginava a vida produzindo focos chamados consciência.  Eu pensava nisso.  Claro que não sei responder porque isso acontece.  Mas há algo aqui fantástico!  Toda a cinza se organizou no que sou hoje, e isso está perguntando o que a torna distinguível de tudo mais!  É a pergunta mesma o que a torna distinta.  Não é nem a capacidade de fazer essa pergunta.  É fazer essa pergunta.  A cinza se distingue quando faz a pergunta sobre o que a distingue.  A resposta não importa.  Mas a pergunta possui uma suposição óbvia: a de que existe distinção entre coisas.  Veja, não falo de separação, mas de distinção.  Algo que se entende único, ainda que ligado, dentro, abarcando, tanto faz, a tudo mais.  Algo que observa seu próprio movimento e diz: há movimento!  Talvez a resposta dela tenha sido mais visceral do que percebi ma hora.  O eu, o distinto do outro, deve se aterrorizar ao ver a cinza.  Que terror representa esse planeta cinza que orbitamos de nossa lua azul.  Invertemos tudo para nos acalmar.  Planeta vira lua e lua vira planeta.  Fazemos até o cinza virar prata.  Que seja!  

quinta-feira, 2 de maio de 2013

ou:Como a estrela refletiu nos olhos do menino e me ensinou a tornar inteiro o que se partiu...

Comecei estes textos com algo partido.   
Olho agora a cola e seu processo de cura.  
Sem uma cura a cola não une as partes.  
Tornar inteiro é sanar, tornar são, curar, colar.  

As vezes corremos feito loucos. 
Feito loucos não percebemos essa correria.  

Como algo fluido integra as partes?   
É uma troca, uma difusão permitida.  
Um passo para cá e outro para lá.  
Uma dança.  
Então aos poucos os corpos podem girar.  
De repente não se pode distinguir o que é meu lado e o que é o seu.  

A cola é algo mágico.  
As partes podem ser muito estranhas uma a outra.  
Que magia a cola, a cura!  
Uma terceira natureza preenchendo a fratura, 
como uma vida outra  com vontade própria.   

Se a cola não cura, ela não cola.  
Qual o tempo de uma estrela, 
o tempo para que seus raios invisíveis impulsionem minha sanidade? 

Como uma planta que precisa de sol, 
você precisa dessa estrela agindo sobre a cola. 
Pode ser um segundo.  
Só você sabe o tempo.  
A estrela pode estar perto, longe.  
Muito perto queima.  
Muito longe não esquenta.  
Só você sabe a exata distância.  
O que eu sei é que a cola invoca sua própria estrela.  
A santidade invoca santidade.  
As vezes basta parar um pouco,
desistir da correria e contemplar essa maravilha se realizando...

Deixar essas parte se unirem é também confiar nessa luminosidade.  
Eu vi isso em seus olhos.  

Confie na cola.  
Confie na cura.  
Confie na luz.