segunda-feira, 21 de maio de 2012

Nascer


Pode parecer estranho uma data, uma hora, pesar como se o ar congelasse no peito.  Mas é exatamente assim que acontece.  Muitas vezes a data, ou melhor, seu peso, é demais para permanecer parado.  É preciso andar, pegar um avião, demarcar novos limites em novos recifes, encontrar, ainda que por pouco tempo, um outro natal.  Mas tome cuidado quando for o medo que te fizer agir com cortesia, o caráter que ele molda é sempre o de uma mentira.  Por outro lado, lembre-se da cortesia daquele motorista de táxi que retornou para devolver a passagem que voce havia esquecido em seu carro.  Lembre-se da cortesia viral, da gentil profecia de gentileza gerando gentileza.  Mas não se confunda com essas palavras,  para que elas não soem pelo que não pretendem ser. Aqui, estou às voltas com essa fuga com data de retorno, com esse banho de sol ou indulto de fim-de-ano.
Sabe o quanto andamos desde a última parada? Já estamos praticamente do outro lado do sol e esta nave corre tão macia pelos trilhos, que não sentimos nenhuma sacudida.  E “do outro lado do sol” é o ponto mais distante a que podemos chegar.  Mas ao mesmo tempo, eu sei, é como se uma flecha atravessasse o coração, como se um túnel abrisse caminho pelo meio do sol escancarando o ponto de partida.  É como se a partida fosse um sair mas sem chegar a lugar algum, um suspense de quem se encontra entre duas cenas de um filme inacabado.  Mas isso é assim com tudo, e nem por isso as flores deixam de acordar.
Olhe, a chuva corre por entre os fogos, e ainda assim olhamos o céu esperando um milagre em forma de cor, um milagre que exploda o cinza e crie uma multidão de azuis e verdes e vermelhos, para que  nós possamos nos reconhecer, para que acreditemos, uma vez mais, em novos natais, e para que, uma vez mais, não tenhamos medo da escuridão.
Olhe, é essa mesma escuridão na qual a chuva escorre, com a qual a luz produz todas as cores.  Não acredite que a escuridão é uma falta.  Nada falta.  A escuridão faz parte de nós assim como a luz.
Por isso, não molde seu caráter pelo medo.  Faça dele, antes, um companheiro e atravesse-o como se partisse o sol ao meio.  Crie essa ponte, pois nela você sempre se reencontrará.  Então, mesmo que por poucas vezes, a sensação de estar em suspense se dissolverá, e você saberá, e sentirá, e experimentará que sua partida é também seu nascimento.

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